De greve dos caminhoneiros à reorganização barrada: o risco político voltou para as ações de Petrobras e BB?

De greve dos caminhoneiros à reorganização barrada: o risco político voltou para as ações de Petrobras e BB?

SÃO PAULO – Não é nenhuma novidade. Mesmo quando os analistas estão otimistas com as ações de estatais brasileiras, sempre fazem uma ressalva: independentemente da qualidade da gestão dessas companhias, empresas controladas pelo governo sempre terão um risco adicional.

Os acontecimentos dos últimos dias, por sinal, reforçaram essa visão, fazendo com que os papéis de duas grandes estatais federais de destaque na Bolsa, a Petrobras (PETR3;PETR4) e o Banco do Brasil (BBAS3), registrassem queda de cerca de 5% na última quarta-feira (13).

O movimento de destaque ontem ficou para o Banco do Brasil, em meio às notícias de que o presidente Jair Bolsonaro teria decidido demitir André Brandão, CEO do banco, após ter mostrado irritação por conta do plano de demissão voluntária e de fechamento de agências anunciado para aumentar a eficiência da estatal.

Embora tenha sido elogiado por analistas do setor, o plano teria desagradado Bolsonaro devido ao potencial desgaste político da medida, em particular pelo momento. Isso por conta das negociações para tentar emplacar seus candidatos para a eleição na presidência da Câmara dos Deputados e do Senado.

O pedido que Bolsonaro fez a Paulo Guedes, ministro da Economia, para a demissão de Brandão foi, inclusive, curiosamente confirmado pela Secretaria de Imprensa da Presidência da República, mas não há comunicado oficial sobre a saída demissão porque o ministro busca reverter o pedido.

A princípio, Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central e também um dos articuladores da ida de Brandão para o BB, teria demovido Bolsonaro do ímpeto para demitir Brandão, segundo informações do jornal Valor Econômico. Contudo, o cenário ainda é de incerteza: se Brandão seguir no cargo, não está claro se ele terá que rever o programa de enxugamento que pretende colocar o banco mais perto dos patamares de eficiência de seus concorrentes.

Assim, a notícia lança dúvidas sobre a continuação das iniciativas recentes de corte de custos, ao mesmo tempo que aumenta o medo da interferência do governo.

Além disso, analistas de mercado apontam que, ainda que Brandão não saia do cargo, o “estrago” já aconteceu. “O mal está feito. A virtual demissão de Brandão por ter tomado as decisões difíceis que qualquer executivo tem de tomar mostra que, independentemente de quem ocupe a Presidência da República, as empresas estatais são um problema. Sua gestão não segue apenas os cânones da administração, mas também é influenciada pelos humores e pelas sombras da política”, aponta a equipe de análise da Levante Ideias de Investimentos.

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A eventual saída de Brandão, por sinal, também seria mais um desgaste para Guedes, já que o enxugamento do banco é uma orientação da equipe econômica. Guedes já perdeu vários integrantes da sua equipe em choque com as determinações do presidente. Foi assim com os secretários Salim Mattar, por causa do fracasso da agenda de privatizações; Paulo Uebel, pelo atraso no envio da reforma administrativa; e Marcos Cintra, pela resistência à recriação da CPMF.

Antes do BB, Brandão atuava como chefe global da instituição para as Américas do HSBC e foi escolhido para fazer a transformação no banco – ele não estaria disposto também a retroceder nesses planos. Contudo, desde o início do governo, Bolsonaro tem se mostrado sensível às críticas de parlamentares e prefeitos sobre fechamento de agências do BB e da Caixa.

A pressão aumentou com o anúncio do BB, que foi visto também pelos políticos como a abertura de caminho para privatização do banco. A Frente Parlamentar em Defesa dos Bancos Públicos está programando convocar o presidente do BB para ir ao Congresso explicar o plano de reestruturação.

Segundo o Estadão, a avaliação dentro no Palácio do Planalto é de que Bolsonaro pode até desistir de demitir o presidente do BB por temer como a ingerência política vai afetar as ações do banco, mas exige que seja informado de tudo por conta do contexto das eleições na Câmara e no Senado. Nesse contexto, funcionários do BB estariam temerosos com o risco de o impasse em torno do plano de reestruturação do banco abrir a porteira para as indicações do “Centrão” no banco nesse momento em que compromissos estão sendo assumidos para a eleição do comando das casas legislativas. O risco maior é lotear os bancos com indicações políticas ou ideológicas.

Petrobras: risco para a política de preços?

As ações da Petrobras também tiveram fortes perdas na véspera – de 4,62% para PETR3 e de 4,83% para PETR4 – por dois motivos em especial e que acenderam o alerta sobre eventuais interferências políticas de Brasília nas políticas de mercado da companhia.

Em primeiro lugar, mas sem causar tanto alarde num primeiro momento, esteve a notícia de que a Associação Brasileira dos Importadores Independentes de Combustíveis (ABICOM) entrou com uma reclamação no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) alegando que a Petrobras estaria praticando preços predatórios de combustíveis nas refinarias, abaixo dos níveis de paridade de importação.

Segundo cálculos do BTG, a Petrobras estaria vendendo gasolina no mercado doméstico a preços 21% abaixo da paridade de importação, enquanto o diesel estaria com desconto de 14%, após uma recente alta nos preços internacionais do petróleo.

Posteriormente, e causando mais impacto (mas relacionada à primeira informação), esteve a notícia a respeito de articulações para greve de caminhoneiros no dia 1º de fevereiro de 2021, após fala do presidente da “Associação Nacional do Transporte Autônomo do Brasil” (ANBT), com reclamações a respeito dos preços do diesel, além de outras reinvindicações como como o preço mínimo do frete (ainda em análise no Supremo) e outros compromissos firmados pelo governo no passado.

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Conforme destaca a XP Investimentos, ambas as notícias resgatam a lembrança de um dos períodos mais difíceis da história da Petrobras: em maio de 2018, caminhoneiros convocaram uma greve diante do descontentamento com a alta dos preços do diesel promovida pela companhia. Na época, a empresa realizava reajustes diários nos preços da gasolina e diesel, e naquele período em particular os preços de petróleo (brent, referência internacional) subiram rapidamente, atingindo patamares de de US$ 75 e US$ 80 o barril.

Na ocasião, a greve levou à renúncia do renomado CEO da Petrobras, Pedro Parente, bem como com a implementação de uma política de subsídios para os preços de diesel. Ainda que tais subsídios efetivamente simulassem os preços que a Petrobras praticaria segundo sua política de paridade, a percepção de risco para as ações disparou na época, tendo caído 32% em apenas 7 dias após o início da greve, destacam Gabriel Francisco e Maira Maldonado, analistas da XP.

Eles apontam, contudo, que embora continuem monitorando cuidadosamente desenvolvimentos acerca da política de preços da Petrobras no futuro, o mercado pode ter reagido de forma exagerada às últimas notícias.

Isso porque, embora os preços da gasolina e diesel da Petrobras estejam abaixo das referências internacionais, isso só aconteceu nos últimos seis dias, desde 7 de janeiro, o que não avaliam ser um período significativo para formar conclusões sobre a política de preços da estatal.

A XP destaca que este foi um período em que foi presenciada (i) uma elevada volatilidade do câmbio, com o dólar atingindo R$ 5,50 em 12 de janeiro, e (ii) uma rápida aceleração dos preços de petróleo (Brent), que subiram 4,2% nos últimos 6 dias.

“Além disso, observamos que, desde que a atual diretoria da Petrobras assumiu em 2019, a Petrobras parou de praticar reajustes diários nos preços dos combustíveis, embora ainda mantendo níveis estáveis de prêmios de paridade. Consideramos essa prática prudente, uma vez que mitiga a propagação de volatilidade desnecessária para o mercado nacional de combustíveis. Essa prática de preços também se assemelha à forma como opera um mercado competitivo e aberto, no qual refinarias provadas e traders de commodities e derivados podem mitigar a volatilidade por meio de hedges e instrumentos financeiros”, apontam.

Na véspera, aliás, o Valor Econômico publicou entrevista com o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, em que ele rebateu as acusações de que a estatal venha segurando o reajuste dos preços dos combustíveis para prejudicar as empresas privadas concorrentes. Castello Branco negou que a estatal esteja segurando reajustes e disse considerar insinuações nesse sentido uma “ofensa profissional” e ele e à equipe econômica do governo, afirmando: “O controle de preços já foi remetido ao museu de armas ineficazes no combate à inflação”.

Já com relação à greve de caminhoneiros, a equipe de análise política da XP investigou o quão factível é a ocorrência de outro acontecimento. Segundo a equipe, órgãos do governo como o Ministério da Infraestrutura, que mantém contato com a categoria profissional, bem como a Confederação Nacional dos Transportes, não identificaram grande risco de greve geral no próximo mês.

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Além disso, fontes ouvidas pelos analistas políticos também questionaram a real capacidade da Associação Nacional do Transporte Autônomo (ANTB) de convocar uma grande greve dos caminhoneiros, visto que governantes que interagem de perto com lideranças da categoria profissional não são familiarizados com o grupo.

Evandro Buccini, diretor de renda fixa e multimercados da Rio Bravo Investimentos, também destacou que esse não parece um risco igual ao da greve de 2018, mas está cauteloso em relação ao cenário para a companhia. Ele avalia que é preciso esperar mais para ter mais sinais de que a Petrobras está realmente represando os preços, uma vez que a sua elevação poderia tornar o cenário ainda mais propício para uma greve dos caminhoneiros.

“O diesel e a gasolina estão descontados em relação aos preços internacionais e, olhando para as perspectivas com relação às cotações no exterior, não parece ter tanto espaço para queda [do petróleo] nos próximos meses, então vai ser um fantasma rondando o mercado”, avalia. Para evitar um ambiente de maior tensão política, o governo poderia dar subsídio ou reduzir impostos de modo a não usar a Petrobras como política pública, apontou.

O Morgan Stanley aponta não achar que a política de preços da Petrobras esteja em risco, destacando que a companhia amadureceu sua estratégia de preços para a prática atual.

“A empresa não tem um prazo pré-definido para movimentar os preços e avalia as tendências de curto, médio e longo prazo do setor, juntamente com seus requisitos de margem interna e estratégia comercial (ou seja, participação de mercado). Dito isso, acreditamos que a administração está muito ciente dos problemas gerados por movimentos agressivos de preços no passado e evitaria fazer movimentos desnecessários agora. Lembramos que a principal reclamação dos caminhoneiros em 2018 foi a velocidade e a intensidade dos reajustes. Nossa visão é de que, passado esse período mais delicado de fluxo de notícias, a Petrobras passará gradativamente a reajustar os preços do diesel, de forma que não prejudique os contratos de frete no futuro imediato”, apontam Bruno Montanari e Guilherme Levy, analistas do Morgan.

Leia mais: A nova decepção dos investidores com as ações das estatais paranaenses na Bolsa

Montanari e Levy ressaltam que a empresa está muito melhor preparada para lidar com a volatilidade do mercado no momento, destacando que a Petrobras já domina sua política de preços há algum tempo. Por fim, o balanço patrimonial está muito mais forte atualmente do que era em 2018, o que permite que a empresa seja mais flexível sem causar qualquer problema relevante ao seu forte perfil de geração de fluxo de caixa livre, que foi um dos destaques dos resultados da companhia nos números já reportados de 2020 (mesmo em meio à crise do petróleo).

A Levante Ideias de Investimentos também destaca que, com os ganhos de eficiência operacional implementados ao longo da gestão atual da Petrobras, os custos de extração de petróleo e os custos de refino têm reduzido de maneira significativa, o que ajuda a explicar uma diferença no preço de paridade internacional para combustíveis no Brasil praticadas pela Petrobras, em relação à paridade praticada no início da nova política de precificação da estatal.

Casos extremos para a Petrobras: o que pode acontecer

Mas, e se houver subsídio por tempo prolongado e a Petrobras tiver que assumir o ônus?

Os analistas do Morgan não acreditam que o programa de subsídios anterior implementado pelo governo em 2018 seria reativado, dada a situação fiscal do país. Da mesma forma, não acreditam  que a atual equipe de gestão da Petrobras assumiria sozinha um subsídio prolongado.

Ainda assim, em uma análise de sensibilidade, calculam que, se a empresa subsidiasse os preços do diesel por um ano inteiro, com desconto de 15% sobre o preço do brent a US$ 55 o barril, o impacto no lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações seria de US$ 2,7 bilhões (redução de 8%) e o fluxo de caixa livre seria diminuído em US$ 1,9 bilhão. Contudo, a empresa geraria 10,2% de Fluxo de Caixa Livre do Rendimento, após os pagamentos de leasing, o que é bastante robusto.

“Acreditamos que esse cenário seja improvável e agressivo, pois não pressupõe nenhuma ação de reajuste da empresa por um ano inteiro. Também acreditamos que um subsídio de preço neste momento poderia adicionar incertezas ao processo de privatização das refinarias da Petrobras, que é um pilar fundamental para a estratégia da equipe de administração, e um risco que não achamos que a empresa estaria disposta a correr”, avaliam Montanari e Levy.

Na mesma linha, a XP também mapeou os riscos potenciais para a Petrobras caso as preocupações com sua política de preços de combustíveis se materializem.

Levando em conta as premissas adotadas por eles nos cenários de sensibilidade, pelos atuais patamares de câmbio, de R$ 5,20 no intraday da sessão desta quinta-feira, e o brent na casa dos US$ 55, haveria um cenário de queda de 21% para as ações PN da Petrobras em relação ao fechamento da sessão da última terça-feira, de R$ 30,63 (antes da forte baixa de ontem, em que o papel fechou a R$ 29,15).

Entre as premissas, fixaram os preços de gasolina e diesel nos níveis atuais entre 2021 e 2022 (R$ 2,0305 o litro para o diesel e R$ 1,8518 o litro para a gasolina), período correspondente ao mandato do atual governo. Após esse período, assumiram o retorno da política de paridade de preços em relação às referências internacionais de combustíveis.

Além disso, ela sozinha supriria a demanda brasileira de combustíveis (gasolina e diesel) e seria a única importadora no mercado, uma vez que importadoras independentes não operariam com prejuízo. Os analistas também supõe que as taxas de utilização das refinarias aumentariam para 97% durante o próximo biênio (semelhante ao período de 2011-2015, quando a empresa praticava preços abaixo de referências internacionais de combustíveis).

Devido à maior percepção de risco que o mercado teria com as ações, a XP assumiu uma redução dos múltiplos entre o valor da empresa e o Ebitda para 4,5 vezes ante os níveis históricos de 5,5 vezes, tal patamar de múltiplo que as ações negociaram entre a greve dos caminhoneiros e as eleições presidenciais de 2018 (entre maio e outubro de 2018). Por fim, a análise de sensibilidade traz diferentes premissas de níveis de câmbio e preços do brent, como pode ser observado abaixo:

A análise, apontam Francisco e Maira, é de que esse seria um cenário de “pior caso possível”, o qual consideram que tem uma chance ainda limitada de ocorrer.

Isso porque: uma eventual interferência do governo na política de preços da Petrobras abalaria de maneira muito significativa a agenda econômica do governo. Assim, como o Morgan, eles também ressaltam que interferir na política de preços da Petrobras representaria sérios riscos ao processo de desinvestimento das refinarias da companhia, o qual os analistas veem como um marco importante para garantir a segurança energética do Brasil na próxima década.

A XP Investimentos possui recomendação de compra para as ações da Petrobras, com preço-alvo em um horizonte de 12 meses de R$ 35 por ação para ambas as classes de ações. Tais preços-alvos configuram um potencial de alta de 17,7% para os ativos ON e de 20% para os papéis PETR4 em relação ao fechamento da véspera. “Em nossas estimativas, assumimos a manutenção da política de preços da Petrobras em linha com referências internacionais”, concluem.

Por enquanto, os riscos estão sendo represados com os analistas não vendo uma paralisação de caminhoneiros tão robusta e também destacando a estratégia atual mais acertada da companhia de reajustar o combustível, de forma a observar a conjuntura e a volatilidade do mercado. Contudo, o cenário que se antecipa para a companhia é de pressão em meio ao aumento de preços do petróleo no mercado internacional, o que pode levar com que a companhia enfrente um dilema entre reajustar os valores para cima e poder aumentar a turbulência política ou represar os preços e impactar o balanço financeiro da companhia.

Neste cenário de risco contido, a Petrobras vê alta de suas ações PN em cerca de 1% após a forte queda da véspera, mas ainda com os investidores observando os próximos passos da greve dos caminhoneiros. O Banco do Brasil, por sua vez, tem as suas ações operando próximas à estabilidade em um dia de ganhos expressivos para os papéis dos seus pares privados, o que mostra que o cenário de indefinição e de interferência política deflagrada segue afetando os papéis da instituição financeira, evidenciando o risco estatal para as ações.

(com informações da Reuters e Agência Estado)

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