Vale: sem acordo, mas com salto das ações, o que os analistas esperam da empresa dois anos após Brumadinho?

Vale: sem acordo, mas com salto das ações, o que os analistas esperam da empresa dois anos após Brumadinho?

SÃO PAULO – 259 mortos, 11 desaparecidos, um rastro de destruição ambiental. Dois anos depois, a tragédia do rompimento da mina Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), segue marcando a vida de centenas de famílias e a trajetória da Vale (VALE3), ainda que seus papéis tenham registrado forte recuperação na B3.

Em 25 de janeiro de 2019, dia em que a bolsa brasileira ficou fechada por conta do feriado de aniversário de São Paulo, os papéis da mineradora negociados nos EUA (ADRs, American Depositary Receipts) fecharam em queda de 8%, ainda em um cenário em que não se sabia as dimensões do acontecimento, mas com vários analistas já revisando as recomendações e projeções para a companhia, tendo em visto o abalo de reputação imediato e potencialmente o financeiro.

No Brasil, na sessão seguinte ao rompimento da barragem, mais precisamente segunda-feira 28 de janeiro de 2019, o impacto foi sentido de forma ainda mais intensa nas ações, com os investidores tendo ainda mais informações sobre a tragédia: os ativos caíram 24,5% na B3, levando a uma perda histórica de R$ 72 bilhões de valor de mercado em apenas um pregão.

Contudo, os papéis registram uma trajetória de franca recuperação. Se, um ano depois da tragédia, no início de 2020, as ações voltaram ao patamar pré-crise (aos R$ 56), completados dois anos da tragédia os papéis subiram ainda mais e estão sendo negociados por volta dos R$ 90. Isso após terem atingido máxima de R$ 103,35 no dia 8 de janeiro, levando em conta que, no ano passado, o papel subiu 73%.

A volta do pagamento de dividendos pela mineradora e o cenário mais positivo para o minério de ferro, que fechou 2020 com alta de 74%, a US$ 160 por tonelada no mercado à vista, foram alguns dos motivos que guiam o desempenho positivo para a ação da companhia.

Contudo, a sombra da tragédia de Brumadinho, que levou à saída de executivos, parada de produção e processos judiciais segue no radar da companhia.

Desta forma, havia uma grande expectativa de que, na última quinta-feira (21) se chegasse a um acordo entre o governo de Minas Gerais e a Vale de reparação por conta da tragédia após diversas reuniões, mas a última delas terminou sem consenso. O governo mineiro rejeitou os valores propostos pela mineradora e, conforme afirmou  o secretário-geral do governo mineiro, Mateus Simões, não haverá mais audiências.

Assim, a Vale terá até dia 29 de janeiro para apresentar uma proposta que atenda às expectativas do executivo estadual. Se isso não acontecer, o processo que julga a tragédia retomará sua tramitação normal na primeira instância do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) e caberá ao juiz Elton Pupo Nogueira sentenciar os termos da reparação.

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Segundo fonte ouvida pela Reuters, Vale e MG ficaram sem acordo por Brumadinho por uma diferença de R$ 11 bilhões. De acordo com essa fonte, autoridades de Minas Gerais haviam aceitado reduzir o valor a ser pago pela Vale para R$ 40 bilhões, ante R$ 54 bilhões pedidos previamente, sendo R$ 26 bilhões pelas perdas econômicas e R$ 28 bilhões para cobrir danos morais sociais e coletivos.

A Vale ofereceu R$ 29 bilhões (que já vem sendo provisionado no balanço da empresa), disse a fonte, o que levou ao fracasso na busca por um acerto. Os valores ofertados pela Vale, uma das maiores produtoras de minério de ferro do mundo, foram considerados insuficientes para garantir a recomposição dos danos causados à população atingida e ao Estado de Minas Gerais.

Mateus Simões, após a reunião, destacou: “Não vamos nos lançar num leilão para definir o valor desse acordo. Os projetos que foram apresentados somam um valor que é o mínimo necessário para garantir a recomposição dos danos gravíssimos que foram causados. Discutir os valores como se estivéssemos dando lances não será aceito pelo estado”.

O secretário-geral também disse se incomodar com o tom usando pelos representantes da Vale. “Soa como se ela estivesse dando um presente a Minas Gerais”. “Que ela entenda que esse acordo será celebrado como o maior acordo da história do Brasil ou a condenação virá como a maior condenação da história do Brasil. Cabe à empresa decidir se ela quer passar para a história como aquela que, reconhecendo o que fez, resolveu reparar os danos ou que, não reconhecendo o que fez, irá esperar ser condenada”.

A mineradora reafirmou que continuará a cumprir integralmente sua obrigação de reparar e indenizar as pessoas, bem como de promover a reparação do meio ambiente, independentemente de haver condenação ou acordo. “Até o momento, a empresa destinou cerca de R$ 10 bilhões para estes fins… A Vale reitera sua confiança no Poder Judiciário”, disse, em nota.

A notícia foi vista de alguns ângulos pelos investidores e analistas de mercado: se, por um lado, há uma preocupação da mineradora em chegar a um acordo a valores que ela considera razoáveis, por outro há questionamentos sobre o tempo de decisão da Justiça caso o governo mineiro não aceite a proposta da mineradora a ser feita até o dia 29. Além disso, a postura da empresa durante a negociação e que foi destacada pelo secretário-geral pode ser um ponto negativo para a imagem da companhia ao não aceitar o valor estabelecido pelo governo após uma tragédia de proporções incalculáveis.

Conforme destacou o Morgan Stanley, as incertezas jurídicas e financeiras permanecem, o que poderia ter efeito negativo na sessão após a notícia (depois da informação sobre a não-chegada a um acordo no dia 21, os papéis até amenizaram os ganhos, mas fecharam em alta de 1,29%, a R$ 93,36 na sessão). Porém, os analistas apontaram que não viam os investidores atribuindo que haveria uma alta probabilidade do acordo e que o fato dele não ter ocorrido poderia ser uma indicação de que a empresa não está disposta a aceitar um negócio que considera como desproporcional.

Por outro lado, os analistas do banco americano destacaram que faz sentido que as partes cheguem a um acordo final e abrangente que ponha fim às disputas judiciais de Brumadinho. O modelo do banco inclui um acordo adicional de US$ 4 bilhões (acima e além das provisões já tomadas) para um possível acordo no primeiro trimestre de 2021. No entanto, acreditam que a Vale poderia lidar com uma provisão incremental de US$ 5 bilhões a US$ 6 bilhões sem nenhum grande impacto nos números da companhia. A surpresa com a alta recente dos preços do minério de ferro acabaria por compensar a maior parte desse custo extra. Veja mais clicando aqui.

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Já o Bradesco BBI aponta que o atraso pode ser uma tática de negociação, mas avalia que a aparente falta de consenso indica uma probabilidade menor de o acordo acontecer versus as expectativas iniciais dos analistas. “Notamos, no entanto, que a Vale e o governo mineiro tem a ganhar com o fechamento do acordo, enquanto a divergência parece ser focada no montante, não na estrutura”, avalia o banco. Fechar um acordo, na avaliação do Credit Suisse, seria um importante catalisador para a reclassificação das ações, que poderiam assim se aproximar de seus pares como Rio Tinto e BHP.

A Levante Ideias de Investimentos ressalta que a rejeição do acordo é negativa para ambas as partes. “Pelo lado do governo estadual haverá a demora para a liquidação dos valores relativos ao rompimento da barragem, em um momento de dificuldades financeiras no estado. Pela parte da Vale, as incertezas em relação ao valor total de indenização retornam, além de não se saber se haverá mais consequências em relação ao caso, com a conclusão fugindo de seu alcance”, aponta a equipe de análise.

Por outro lado, considera que o principal balizador da movimentação de preço das ações ainda segue sendo as cotações de minério de ferro no mercado internacional. Na mesma linha, o BBI avalia que caso a proposta não vingue e, assim, não seja possível chegar a um resultado positivo durante esta semana, deve haver uma reação negativa das ações da Vale. Porém, caso haja uma correção mais substancial, ela implica uma oportunidade de compra, dados os fundamentos sólidos e contínuos do mercado de minério de ferro e as perspectivas para um dividend yield (ou rendimento do dividendo, medido pela relação entre o dividendo pago por ação e a cotação da ação) significativo nos próximos anos para o papel VALE3.

Visão positiva, mas…

A visão positiva para a ação é praticamente uma unanimidade entre as casas de análise, mesmo após a ação ter se distanciado das máximas do ano em meio ao aumento de casos de coronavírus na China, elevando as preocupações sobre a demanda do gigante asiático por minério de ferro com as restrições de mobilidade.

De acordo com a compilação feita pela Refinitiv, de 8 casas que cobrem o papel, 7 têm recomendação de compra e apenas 1 tem recomendação neutra. O preço-alvo médio é de R$ 107,51, o que corresponde a um potencial de valorização de 15,39% em relação ao fechamento da última sexta-feira (22), de R$ 93,17. Já com relação aos ADRs, de 23 casas que cobrem o papel, 21 recomendação compra e 2 têm recomendação equivalente à neutra, com preço-alvo médio de US$ 19,90, alta de 15,63% frente o fechamento de US$ 17,21 do pregão mais recente.

Ultimamente, aliás, analistas têm revisado os números da companhia. Na avaliação do Bradesco BBI, a mineradora continua sendo uma forte geradora de caixa, destacando dividendos significativos e uma reavaliação das ações deve ocorrer em 2021. Após o ganho expressivo de 73% em 2020 e com a ação ultrapassando os R$ 100 no início deste ano, os analistas elevaram o preço-alvo para o final do ano de R$ 105 para R$ 120, de forma a incorporar o preço mais elevado de minério de ferro, cobre e níquel.

Os analistas do banco projetam o minério de ferro em média a US$ 130 a tonelada em 2021, acima dos US$ 120 a tonelada anteriores, basicamente refletindo o início de ano mais forte (com minério de ferro spot agora em cerca de US$ 170 a tonelada).

A expectativa é de que a Vale gere cerca de US$ 30 bilhões de Ebitda em 2021 (ante previsão de R$ 21,3 bilhões em 2020), com FCFE (fluxo de caixa livre para o acionista) de cerca de US$ 16 bilhões e dividendos totais de US$ 9 bilhões (mínimo de US$ 7 bilhões mais US$ 2 bilhões extraordinários), para um dividend yield de 10%.

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Já para o Credit, a avaliação é de que o valuation da mineradora segue muito atrativo para os investidores ignorarem.

Nesta linha, de modo a incorporar os preços mais altos da commodity, a XP Investimentos manteve a recomendação de compra e elevou o preço-alvo para R$ 122, a fim de incorporar preços mais altos de commodities e as novas premissas de preços e volumes no futuro.

“A Vale é a nossa preferida no setor devido à demanda saudável de minério de ferro na China, após incentivos do governo, e um cenário mais desafiador para a oferta”, apontaram Yuri Pereira e Thales Carmo, analistas da XP. Devido ao mercado ainda apertado, a expectativa é de que o minério de ferro fique em média em US$ 135 a tonelada em 2021, ante previsão anterior de US$ 100 a tonelada e contra um preço de cerca de US$ 170 atualmente.

Na perpetuidade (ou seja, trazendo a valor presente a soma do valor atual dos valores futuros projetados), o modelo projeta um preço de US$ 80 a tonelada. Apesar da expectativa da queda do minério, olhando para os valores atuais do papel da Vale, cotado na casa dos R$ 90, os analistas veem um minério de ferro de US$ 65 a tonelada na perpetuidade embutido na cotação atual dos ativos. Ou seja, há mais espaço para altas. Eles destacam que a produção de aço chinesa encerrou 2020 com 1,05 bilhão de toneladas (5,5% acima de 2019), após forte estímulo em meio aos impactos da pandemia. Se a China mantiver seu ritmo, a demanda por minério de ferro pode superar as adições de oferta em 2021 e sustentar os preços, avaliam.

Com relação aos volumes de minério de ferro, os analistas projetam a produção de 320 milhões de toneladas para 2021 pela companhia, que se compara à estimativa da Vale entre 315 e 335 milhões de toneladas. Já o dividend yield é na casa de 8,5% por conta de uma geração de caixa mais forte. O montante pode ser ainda maior se a empresa decidir por alguma distribuição extraordinária.

Não tão otimista, Fernando Fontoura, gestor de renda variável da Perservera Asset Management, destacou não ter mais posição no papel da mineradora. Ele aponta que a ação, nos atuais patamares, não está cara, mas que as incertezas que cercam a companhia continuam no radar.

Com a expectativa de que o minério volte no médio prazo para a casa dos US$ 100 (ainda que seja difícil saber o timing), ele avalia que dificilmente não haveria uma correção das cotações dos ativos VALE3 com a queda dos preços do minério, ainda que os papéis estejam longe de precificar a commodity a US$ 160 ou US$ 170 atualmente.  “Quando o mercado está andando bem, aquela nuvem de preocupações que existe com a Vale acaba ficando para trás. Mas certamente [Brumadinho] é um tema que não saiu do radar, principalmente entre os investidores estrangeiros, sendo que muitos deles não voltaram a investir na companhia”, aponta o gestor.

De acordo com Fontoura, um eventual acordo com o governo mineiro e até por um valor maior, certamente ajuda, mas não resolve uma das principais questões da Vale. “A sombra que a mineradora vai carregar será duradoura e, para atenuar esse passado, demandará que ela tenha que ser referência em ESG  (como são chamadas as melhores práticas ambientais, sociais e de governança), claro que considerando as limitações dentro do setor em que ela atua”, avalia.

Assim, somente o tempo e mais medidas da companhia farão com que a companhia consiga atenuar a imagem que ficou ainda mais negativa após Brumadinho, um pouco mais de três anos após a tragédia de Mariana. Entre as medidas, a empresa já apontou que vai desistir da exploração de carvão em Moatize, em Moçambique. A companhia anunciou no ano passado que pretende se tornar uma empresa de carbono neutro até 2050 e reduzir 33% de suas emissões até 2030.

Apesar da tragédia de Brumadinho ficar para sempre na história da Vale, um acordo rápido sobre Brumadinho pode fazer com que aumente a confiança entre os investidores na tese de investimentos da companhia, em um momento em que seu objetivo é retomar a produção perdida em Minas após Brumadinho, além de impedir novas ocorrências. Em dezembro, um trabalhador morreu em um deslizamento de terra na mina Córrego do Feijão. Em meio a esse cenário, a proposta a divulgada pela companhia até dia 29 será observada de perto pelos investidores.

(Com informações da Agência Brasil, Reuters e Agência Estado)

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